Se existe um ponto positivo em uma crise é a capacidade da sociedade de se reinventar. Especialmente na crise econômica que estamos enfrentando, a falta de recursos é um impeditivo para o crescimento.
No frequente contato com as nossas fundações de apoio, sempre nos interessamos sobre a situação dos projetos e recursos. Entre um bate-papo e outro, uma frase é consenso em quase todas as nossas conversas: “A situação é cada dia mais difícil! Os projetos estão escassos e a burocracia é cada dia maior. Estamos lutamos para sobreviver, pois não há recurso!”.
De fato, os inúmeros cortes do governo em ciência e tecnologia fizeram o inferno na vida de muitas fundações. Aparentemente, o recurso que antes “sobrava” hoje anda em falta.
Esse argumento que defende a falta de recursos é válido e faz muito sentido, mas vejo uma inconsistência nesse discurso. O dinheiro público realmente está escasso, mas eu tenho que te mostrar uma realidade pouco explorada: nunca houve tanto recurso disponível. Com a taxa de juros podendo bater os 7% ao ano, há muitas empresas procurando o que investir, além da busca constante por inovação. Mas onde isso se aplica a sua fundação de apoio?
É aí que entra o novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação. Em linhas gerais, ele foi criado para desburocratizar e auxiliar na parceria público-privada. Unir quem tem dinheiro para investir e precisa de conhecimento a quem possui conhecimento e precisa de dinheiro. É o casamento perfeito!
Vamos analisar três aspectos importantes que tratam desse relacionamento:
1 – Compartilhamento de infraestrutura e capital humano
Na prática, uma das mudanças mais significativas é a possibilidade das universidades e ICTs compartilharem seus laboratórios, equipamentos, materiais e instalações com empresas ou pessoas físicas para atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, desde que não interfira diretamente em sua atividade-fim nem com ela conflite. O mesmo vale para o uso de seu capital intelectual.
Em resumo, poucas empresas possuem capital humano com conhecimento científico suficiente para produzir inovação. Mais do que isso, é necessário ter equipamentos adequados para viabilizar tais pesquisas. A disponibilidade de estrutura e pessoal aproxima e permite o desenvolvimento da pesquisa aplicada.
2 – Propriedade intelectual
Outro ponto importante aborda a propriedade intelectual da pesquisa. Até então, toda a propriedade ficava com a instituição pública, que era obrigada abrir uma concorrência para licenciar a tecnologia. Qual empresa investiria tempo e recurso para o desenvolvimento de uma pesquisa para correr o risco de ver o seu concorrente licenciando o produto final? Não faz muito sentido, não é?
De acordo com o Marco Legal, as ICTs poderão assinar acordos com empresas para o desenvolvimento de pesquisas conjuntas, “podendo a ICT ceder ao parceiro privado a totalidade dos direitos de propriedade intelectual mediante compensação financeira ou não financeira, desde que economicamente mensurável”.
3 – Dedicação de docentes a projetos de pesquisa privados
Professores universitários com dedicação exclusiva poderão desempenhar atividades de pesquisa remunerada em empresas do setor privado, desde que assegurada a continuidade de suas atividades de ensino e pesquisa.
Essa mudança traz liberdade para que o pesquisador possa trabalhar simultaneamente nas frentes público e privada, facilitando o interesse e o engajamento do professor no projeto.
De maneira geral, esses três pontos esclarecem a relação entre pesquisador, universidade e empresa. Essa interação com o setor privado pode ser a luz no fim do túnel para muitas fundações de apoio. É necessário identificar a necessidade das empresas para que elas possam buscar o mercado acadêmico. Trabalhar no fluxo inverso é querer criar soluções que o mercado não está buscando.
“Mas o que minha fundação pode fazer diante desse cenário?”
Identificar demandas no setor privado e realizar o match com as linhas de pesquisa na universidade. Esse trabalho pode ser intermediado pela própria fundação de apoio e já existem casos de sucesso dentro do nosso mercado. Obviamente, o resultado será um volume maior de recursos geridos e o consequente aumento do custo operacional recebido pela fundação.
Pode ser um bom planejamento para 2018, não é mesmo?
Para enriquecer a discussão:
Apesar de não abordados neste texto, o Marco Legal de C&T aborda outros pontos importantes que visam simplificar e desburocratizar a criação e a execução de novos projetos. Vale a pena conferir na íntegra clicando aqui (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13243.htm).
Há quem discorde desse discurso e acredite que o Marco Legal trará riscos e consequências para a pesquisa no Brasil. Veja aqui (http://portal.andes.org.br/imprensa/documentos/imp-doc-1508946885.pdf).