Um tema que tem sido cada vez mais debatido entre a comunidade de fundações de apoio é a preocupação crescente com o desenvolvimento profissional dos colaboradores e o impacto dessa relação nas atividades operacionais. Está cada dia mais obsoleta a mentalidade que considera uma área de gestão de pessoas como centro de custo e não como um investimento propulsor de qualidade e alcance de metas numa organização.
Para aprofundar mais no tema conversamos com a expert em gestão e desenvolvimento de pessoas Luisa Paniago, ex colaboradora da Fundação Arthur Bernardes – FUNARBE, e atual empreendedora da Reinvente-se Desenvolvimento de Pessoas, consultoria que presta serviços a fundações de apoio, colaborando para otimizar e superar as suas metas e resultados. Bora entender melhor como sua instituição pode se destacar no mercado?
A divisão de responsabilidades de quem é encarregado por questões burocráticas de um colaborador e de quem é incumbido de avaliar desempenho, desenvolver pessoas e direcionar treinamentos ainda é um cenário confuso dentro de grande parte das fundações de apoio. Afinal, qual a diferença do setor de RH e Gestão de Pessoas?
RH ou Recursos Humanos é um nome antigo, está caindo em desuso. Pessoas não são recursos. Pessoas são pessoas. E quando se fala em RH ainda vem aquela conotação de departamento pessoal. A nomenclatura sugerida atualmente é Departamento Pessoal e Gestão de Pessoas, mas algumas fundações ainda utilizam o termo Recursos Humanos, que na verdade acaba cumprindo as funções apenas de um Departamento Pessoal.
Recursos humanos todo mundo tem. É aí que se confunde com Gestão de Pessoas. O que a área de Recursos Humanos faz? Folha de pagamento, recolhimento de encargos, férias de funcionários, controle de ponto, jornada de trabalho, enfim, toda essa parte legal referente a departamento pessoal, é o Recursos Humanos.
Já a Gestão de Pessoas cuida, de fato, de pessoas. É ela que dá uma carreira, um futuro na organização para os colaboradores. É ela que elabora um plano de carreira, que descreve os cargos, que orienta na medição do desempenho, que seleciona pessoas, que motiva equipes, que monta uma hierarquia estratégica para a instituição. O organograma atualmente é estruturado em parceira com a Gestão de Pessoas, obviamente com a participação dos principais líderes dos setores, afinal montar um organograma é extremamente estratégico e é fundamental a participação dos especialistas em comportamento humano na definição dessas diretrizes organizacionais. Instituições são feitas de pessoas! Fazer com que as peças se encaixem e que o fluxo de informação flua acontece a partir dos cargos, que são elaborados e descritos pela Gestão de Pessoas.
Qual o impacto real dos planos de carreira dentro de uma fundação?
A partir do momento que se tem um plano de carreira na organização, o colaborador passa a ver uma possibilidade de um futuro profissional. Possibilidade de crescimento, aprendizado e contribuição são fatores fundamentais para a motivação e, consequentemente, redução da rotatividade. Quando associado a um programa de gestão do desempenho é ainda mais gratificante, pois sabe-se que a meritocracia e regras objetivas serão os precursores de uma alavancagem pessoal e profissional. Além disso, ainda fica claro para os dois lados, colaborador e fundação, as atividades a serem desenvolvidas, as competências esperadas e suas metas objetivas. Tudo isso forma uma avaliação do desempenho, que é um momento para o colaborador se desenvolver e ter oportunidade real de ascensão de carreira, identificando o que pode desenvolver e seus talentos mais consolidados.
Um plano de cargos que não tem uma ascensão profissional é só mapeamento de cargo e não um plano de carreira. Tem que ter uma possibilidade de crescimento, e eu particularmente, acredito muito nesse vínculo com a avaliação de desempenho, para que a meritocracia aconteça dentro de uma fundação de apoio. Esse cenário que defendo é muito diferente de uma indicação aleatória, o que é sabido que acontece muito.
Um dos grandes gargalos nas instituições são os problemas de desempenho das equipes internas. De que maneira podemos evitar essas frustrações que se transformam em atrasos de entregáveis?
Outra responsabilidade primordial da gestão de pessoal é o recrutamento e seleção. Se você recruta e seleciona bem, você dificilmente terá problemas com a equipe depois. Da mesma forma, se essa etapa não é bem feita, certamente você enfrentará problemas de desempenho. Quando a gente fala de perfil, não é um devaneio da gestão de pessoas.
Existem sim habilidades comportamentais que são cognitivas, ou seja, que vem de “fábrica” com o indivíduo, e que fazem uma pessoa se adequar melhor a determinadas situações ou funções. Assim como existem outras tantas que são plenamente desenvolvidas ao longo sua vida pessoal e profissional, de acordo com suas experiências e dedicação.
Em um processo de recrutamento e seleção é preciso levar em conta as características cognitivas, as quais você não consegue abrir mão, assim como as características que foram desenvolvidas ao longo da vida. Esses critérios devem ser pesados de acordo com o que se espera do perfil de um candidato ideal para a vaga disputada.
Existe uma legislação que solicita a formalização de um processo seletivo dentro de uma fundação de apoio. O que diferencia o processo de seleção de uma fundação de um processo público?
Gosto de equiparar um processo seletivo de uma fundação de apoio a um “mini” concurso público. Ele se assemelha bem mais a um concurso do que um processo seletivo de empresa privada. Isso porque os princípios da impessoalidade e moralidade precisam ser considerados a todo momento. Um bom exemplo disso é em relação a ampla concorrência, ou seja, todos que se encaixam nos pré-requisitos do cargo podem se candidatar à vaga e participar do processo de seleção.
Os processos seletivos podem ser auditados pelo Ministério Público, por isso a importância de se documentar bem as etapas e requisitos avaliados para cada cargo. Até as competências, muitas vezes subjetivas, precisam ser validadas da forma mais objetiva possível para evitar questionamentos por parte do Ministério Público.
Pensando nessa questão de selecionar um colaborador trará os melhores resultados, quais características são fundamentais para as atividades de um gestor de projetos?
Um gestor tem que ser um profissional que gosta de pessoas, porque ele vai lidar diariamente com clientes de todos os perfis, temperamento e humor. Assim como nós, os coordenadores de projeto estarão hora estão frustrados, hora estão extremamente felizes, e, por isso, o gestor tem que ser uma pessoa que saiba administrar bem essas situações.
Ter empatia com o outro também é fundamental. Celebrar junto quando o cliente está feliz e acalmá-lo quando estiver nervoso. Precisa ser alguém que se adapte ao outro e às situações com facilidade, extremamente paciente com o pesquisador que vai, muitas vezes, culpá-lo por regras que são da instituição de fomento ou da própria legislação e que ele não tem o poder de alterar. Não levar essas situações para o pessoal e não atacar o cliente parece óbvio, mas são pontos de atenção a um bom gestor de projetos.
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E em relação a um comprador, qual perfil se adequa melhor?
O comprador precisa ser uma pessoa analítica, organizada e muito íntegra. Além disso, o volume de compras costuma ser alto, se não for objetivo para desenvolver o processo, terá dificuldades de finalizar as compras com um bom prazo. É essencial que o comprador seja incisivo e pulso firme, porque muitas vezes ele precisa negociar e, nesse processo, podem ocorrer situações de ofertas de vantagens pessoais em troca de favorecimento de escolha. Vão ter propostas de coisas erradas e é extremamente importante um perfil com uma ética extremamente fortalecida e índole muito forte. E esses são pontos que a gente consegue validar no processo seletivo.
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Tudo bem, mas de que maneira a fundação consegue se precaver de contratar um profissional desalinhado?
Todos os pontos que citei acima, nós conseguimos validar no processo seletivo. São aplicadas técnicas que avaliam se a ética do candidato condiz com a sua. Porque ética todo mundo tem. Só que a ética da pessoa que acha que é certo se favorecer ilicitamente é diferente da minha que acho que não é certo, mas a ética dele é aquela. Precisamos avaliar se a ética do candidato ou até mesmo do colaborador já contratado, é condizente com a que a fundação prega.
Se a fundação não quer desvios ou éticas paralelas, então o ideal é que isso seja verificado antes da contratação. Já aconteceu de eu conhecer pessoas que faziam coisas erradas com plena convicção de que era certo. É difícil até dialogar, a pessoa é cheia de verdades que são dela. Então tem que ser validado antes se as verdades da pessoa coincidem com as verdades da empresa. Fazer nivelamento de valores organizacionais é primordial num processo seletivo. Eu diria que primeiro você valida valores, para qualquer cargo, depois você valida competências. E tudo tem de estar de acordo.
Se ainda existir alguma dúvida em relação à importância de um processo seletivo, quais as consequências de uma contratação errada?
É um prejuízo muito grande para a empresa, financeiro e operacional. Há investimento em treinamento, custo do processo seletivo e outros custos intrínsecos. É muito caro mandar embora, ainda mais se extrapolar o período de experiência, em que os custos do processo rescisório podem ser menores. Ampliando as consequências, uma contratação errada pode admitir prejuízos emocionais para a empresa, como desmotivação de equipes de excelência.
Contratar por indicação nas fundações de apoio infelizmente é um cenário comum. Qual o seu posicionamento em relação a isso?
Sou muito contrária a contratar uma pessoa por simples indicação, ou seja, sem um processo seletivo que avaliará o candidato mais apto a desempenhar aquela função. Não necessariamente precisa ser feita por uma equipe de Gestão de Pessoas, ainda que seja o mais indicado, mas não acho válida em hipótese alguma que pessoas ingressem a uma fundação de apoio sem passarem por uma filtragem prévia, com ampla concorrência e requisitos claros e objetivos. Este é o princípio da impessoalidade e a lei é para todos nós seguirmos.
Administradora, especialista em administração estratégica e gestão de pessoas, certificada pela Fundação Dom Cabral no Programa de Desenvolvimento de Dirigentes.